Estou morando em Lisboa há quase dois anos e não raro amigos de cá e do Brasil me perguntam se vou trabalhar em propaganda. A curiosidade faz todo sentido. Durante mais da metade da minha vida saí de casa todos os dias para trabalhar em agência como redator, diretor de criação e nos últimos tempos mergulhado nos rios do planejamento estratégico que desembocam na Criação.
Sempre a Criação. É nela que transito mais à vontade, tanto na atividade publicitaria em si, quanto na vida acadêmica, onde fui com prazer seduzido a dar aulas de Texto, Criação, Processo Criativo e Projetos de Conteúdo e Comunicação Institucional de Marcas, em três universidades.
Respondendo à pergunta lá de cima: a princípio estou aberto a todas as possibilidades, inclusive já me envolvi num projeto de uma agência brasileira aqui, impossível não resistir ao feitiço que a propaganda exerce sobre mim. É uma turma de amigos e aprendi que bons negócios se fazem com bons amigos, clichês contrários à parte.
Porém, há poréns.
As diferenças de culturas entre o mercado brasileiro e português é atlântica, o consumidor tem um comportamento peculiar, são mais conservadores, diretos e objetivos, tudo é broa, broa queijo, queijo, são arredios a ousadias comportamentais, picantes e sexistas.
Os anunciantes têm características próprias - a empresa familiar é dominante, as verbas são relativamente miúdas, os modelos de negócios diferem do brasileiro, a despeito da permanente evolução avassaladora dos modelos de negócio em todo mundo. A relação que o português tem com produtos, marcas e a própria linguagem publicitária é muito peculiar e ainda há uma diversidade de hábitos de consumo, consequência da própria diversidade contrastante, jovens e idosos, urbanos e agrícolas, muito imigrante e muito cidadão raiz, espalhados pela surpreendente variedade cultural num território tão compacto.
É inocente afirmar que a mesma língua é um facilitador. Não é. De novo às diferenças culturais: as palavras, o sotaque, as construções das frases, o significado das coisas, a lógica, as expressões idiomáticas contrariam o senso comum de que publicitário brasileiro nada de braçadas no Tejo.
Quando um recém-chegado do Brasil é impactado por “sabe bem pagar tão pouco” - conceito de um dos maiores anunciantes locais de Portugal, uma potente rede de supermercados - custa a perceber de imediato que raios quer dizer “sabe bem”.
Num tempo de reflexão mais apurada, arrisca-se concluir que “sabe bem” significa “é bom”, “é sábio”, “é esperto” pagar menos.
Parece evidente, mas não. Trata-se de um exemplo de que a coloquialidade da língua portuguesa daqui merece tempo de compreensão para quem chega chegando, achando que “sabe bem”no sentido mais brasileiro da expressão.
Agora, o porém do porém. A desenvoltura da criatividade do publicitário brasileiro é reconhecida no planeta. Junte essa afirmativa ao conceito darwiniano que “não é o mais forte quem vence.
Mas, sim, aquele tem mais capacidade de se adaptar. “
E a cereja do bolo: a agência em Lisboa mais premiada, mais reconhecida internacionalmente,
e mais potente nos negócios, é dirigida por um brasileiro, que começou como redator e hoje
é referência mundial em Criação e Gestão.
Ganha um pastel de Belém quem disser como ele chegou, onde chegou com seu talento, carisma e competência.
Acertou quem disse: exercendo a virtude da adaptação. Isso é saber bem.
*José Guilherme Vereza nasceu no Rio de Janeiro. Publicitário, redator, diretor de criação, roteirista, professor e escritor.
Durante 4 décadas trabalhou em propaganda como redator, diretor de criação e VP de Criação de agência cariocas, nacionais e multinacionais, entre outras, DPZ, Esquire, Estrutural, Denison, V&S Young&Rubicam, Propeg, Contemporânea e 11:21, quando atendeu clientes de todos os tamanhos, com quem conquistou prêmios nacionais e internacionais.
Pós-graduado em Pedagogia, foi professor da PUC Rio, ESPM e UNESA. Mora em Lisboa, onde tem livros publicados, e roteiros para cinema e TV.
Comments