Estes dias estava fazendo uma compra no supermercado e me deparei com uma cena muito comum aos tantos que têm filhos: paieeeee, me compra esse, e esse, e esse outro? E o pai, com uma admirável paciência, explicou que o filho poderia escolher apenas um, mas que a escolha fosse bem pensada, pois aquilo valia “mais que dinheiro”.
“Mais que dinheiro”. A abordagem um tanto quanto abstrata me tocou. Sem conseguir ouvir a explicação para o enigma, comecei a elucubrar o que viria a ser algo que vale “mais que dinheiro”. Eu revisei todos os itens de meu carrinho e percebi que realmente tudo ali tinha um preço, mas de fato, tudo também tem algo que vale mais que dinheiro, tudo tem o seu valor. Certamente o valor é diferente para cada um de nós, mas invariavelmente, o valor de cada produto varia e se estende em todo o caminho que ele percorre para ser escolhido naquele momento, por aquela criança, na gôndola.
E para compras corriqueiras, que muitas vezes fazemos no automático, temos uma lista rápida, que está registrada na nossa cabeça, com tamanho, fragrância, cor, modelo e marca pré-definidos, e que não deveria ter muitas interferências, mas tem. Desde o cartaz no estacionamento ou na porta, o tablóide na prateleira ao entrar na loja, o promotor oferecendo aquela novidade, o carrinho alheio que a gente dá uma espiada pra checar se tem algo diferente, as tantas cores, sabores e modelos, o preço... são muitas interferências. Mas algo me incomodou naquele chamado “mais que dinheiro”, algo que ainda é muito difícil de enxergar através de uma embalagem, empilhado em uma gôndola.
O que eu estou realmente comprando? É um detergente em pó ou um produto que polui rios e o ar? É um queijo ou uma fazenda com péssimo padrão de tratamento animal? É um tomate ou uma bolota de agrotóxico? Hoje ainda sofremos com um certo nível de omissão de algumas empresas, mas um grande nível de inconsciência do consumo.
E o que não nos damos conta é do tamanho do poder que nossas escolhas tem. Nossas escolhas diárias, desde a pasta de dente, até a universidade que cursamos. Desde o transporte ou o combustível que escolhemos, até o restaurante que almoçamos. Nossas escolhas podem mudar padrões de produção e consumo se passarmos a enxergar o que está por trás de cada uma delas. Isso porque uma vez que soubermos o que estamos de fato comprando, teremos a consciência de manter a nossa escolha. Ou não. E a não compra obriga aquela empresa a mudar seus compromissos, valores e ofertas.
Dizem que o consumo é um ato político. Escolher um produto é dar um voto para aquela marca. E dar o seu voto significa que você acredita naquilo. A transparência passa a ser uma obrigatoriedade para as empresas que estão conectadas com as novas exigências do consumidor. E esta transparência possibilita que a sua escolha no momento da compra respeite os seus valores, crenças e preocupações. O poder da escolha passa a ter um valor importantíssimo para nós mesmos. Nossas escolhas podem mudar o mundo.
E aquele garoto que deveria escolher direitinho, pois seu produto valia “mais que dinheiro”, fará parte de uma geração consumidora mais consciente, mais exigente e mais influente, pois certamente eles saberão o real poder de suas escolhas.
Ligia Camargo é graduada em marketing, com especialização em negócios e sustentabilidade, Ligia é uma profissional de Sustentabilidade e Comunicação, e construiu sua carreira trabalhando em corporações liderando as atividades relacionadas ao tema, que incluem programas de geração e emprego e renda, economia circular, agricultura regenerativa, além de liderar as áreas de comunicação interna e reputação. Com uma vasta experiência com gestão de stakeholders internos e externos, colabora com outras áreas da empresa em busca de um ambiente favorável para o engajamento no tema e tem em sua bagagem parcerias com grandes instituições como UNICEF, WWF, Cruz Vermelha e BID. Tem passagens pela Unilever, Danone e Grupo Ultra. Hoje lidera a área de Sustentabilidade da Heineken e é Sênior Advisor do Instituto Capitalismo Consciente. Presidiu o Comitê de Sustentabilidade da ABA, lecionou sustentabilidade em cursos de pós-graduação, foi membro do conselho do Cempre, da Rede do Plástico, tem um canal de sustentabilidade no Instagram (@Incomodados_) e é uma orgulhosa mãe de gêmeas.
Pensamentos que nos fazem refletir e ótimas avaliações de propósito !!